Adeus, Chris: Uma eulogia

Um de meus heróis pessoais faleceu neste dia há três anos atrás. Passado este tempo, talvez eu consiga falar um pouco sobre o isto, sobre o quanto ele e sua música significaram para mim e como o súbito falecimento dele me entristeceu.

Alexandre Aimbiré
8 min readMay 18, 2020

“Heard it from another room, eyes were waking up just to fall asleep…”

Era de manhã. Eu tinha recém saído do banho e estava me arrumando para sair para o trabalho. O dia 18 de Maio é um dia particularmente doloroso pra mim porquê é o aniversário da morte do meu avô paterno, Celso Aimbiré, e naquele dia completavam dez anos do falecimento dele. Peguei o celular para começar o meu ritual matinal de ler as notícias e ver o que tinha acontecido durante a madrugada. A primeira notícia era sobre o falecimento de Chris Cornell, aos 52 anos, aparentemente por suicídio.

“Love’s like suicide…”

Sentei-me na cama, ainda de toalha sem reação. Fiquei passando por incontáveis manchetes de diversos canais e noticiosos reportando a mesma tragédia, talvez procurando algum lugar que dissesse que era mentira, um rumor, fake news, qualquer coisa, mas era verdade.

“Dazed out in a garden bed with a broken neck, lays my broken gift…”

Chris Cornell, vocalista das bandas Soundgarden e Audioslave, havia falecido aos 52 anos em Detroit naquela madrugada. Aparentemente tinha tirado a própria vida.

“Just like suicide…”

Tendo vivido a adolescência na segunda metade dos Anos 90, a morte de músicos famosos era uma coisa a qual nós estávamos acostumados. Uma noção horrível, eu sei, mas o nosso inconsciente coletivo foi marcado pelo suicídio de Kurt Cobain, os inúmeros documentários, as acusações contra Courtney Love, sua viúva. Crescemos ouvindo Nirvana e muitos de nós só foram conhecer a banda depois que o guitarrista e líder da banda já havia falecido, aumentando ainda mais o status mítico da banda. Crescemos assistindo a cinebiografia The Doors de Oliver Stone, com toda a idolatria ao Jim Morrison e a mistificação de sua morte. Crescemos ouvindo as histórias das mortes do 27 Club, do qual Morrison e Cobain faziam parte com Jimi Hendrix e Brian Jones, e o nosso mote eram os versos “It’s better to burn out than fade away” de “My My, Hey Hey” que estavam na carta que Cobain deixou.

Nós crescemos ouvindo e lendo a respeito das histórias das mortes dos nossos artistas favoritos. Como as mortes de Hilel Slovak e Bon Scott mudaram a história dos Red Hot Chili Peppers e do AC/DC, respectivamente, o bizarro GG Allin, como a morte súbita de Bradley Nowell fez o Sublime parar na beira do sucesso, as 40 doses de vodka com suco de laranja que mataram o baterista John Bonham, Freddie Mercury, Cazuza e Renato Russo e a AIDS, John Lennon e seu encontro com Mark David Chapman, Layne Stanley e tantos outros que perdemos para a heroína…

“And my last ditch was my last brick lent to finish her, finish her…”

A própria história de Chris Cornell tem uma proximidade com a morte. O projeto Temple of the Dog, que foi o embrião do Pearl Jam, era uma homenagem ao amigo Andy Wood, vocalista da banda Mother Love Bone, da qual Stone Gossard e Jeff Ament faziam parte. Para o álbum, Chris escreveu duas músicas para Andy. Wood também foi homenageado por Layne Staley, que compôs “Would?” para ele e o álbum de estreia do Alice In Chains, Facelift, foi dedicado ao amigo.

“She lived like a murder but she died just like suicide…”

Crescer com a morte fazendo parte do imaginário que compõe os meus ídolos talvez tenha me tornado cínico em relação a algumas coisas. Lembro quando Michael Jackson faleceu em 2009 e de como muitos dos meus amigos e conhecidos ficaram estarrecidos com o fato. Quando o Dio e o Lemmy morreram vi amigos metaleiros chorarem (literalmente) e as mortes de Chorão e Champignon foram particulamente marcantes para muitos, mas pra mim, era como se eu já esperava. Se você é um astro de rock ou um músico famoso, logo você vai morrer tragicamente e provavelmente por causa de abuso de químicos.

A primeira vez que eu fui afetado por uma morte de um famoso foi quando David Bowie faleceu.

“Bit down on the bullet now, it had a taste so sour I had to think of something sweet…”

Chegar ébrio em casa numa madrugada depois de ir ao Blues Velvet era uma coisa corriqueira. Cheguei no meu quarto, liguei o computador e abri o Facebook. O primeiro post era uma notícia sobre a morte do Bowie. Corri a minha tela e literalmente toda a minha timeline era sobre isso. Notícias de todos os noticiosos possíveis, posts de amigos, posts de conhecidos, tudo. Parecia que enquanto eu estava chorando de rir com meus amigos ouvindo uma versão latina de “Bohemian Rhapsody” com uma garrafa de Heineken na mão, a Internet tinha parado e estava em luto pela morte de uma das pessoas mais geniais que já havia agraciado este mundo com sua presença. Eu fiquei sentado por algum tempo, não sei dizer quanto, só olhando pra tela do computador sem saber o que pensar, o que sentir. Era como se tivesse lendo a manchete da morte de Deus ou coisa que o valha. Acordei triste, ouvi “Life on Mars” e fiquei ainda mais triste. Os dias se passaram e eu continuei triste, com uma sensação de que algo faltava no mundo.

Só voltei a me sentir dessa maneira um ano depois quando li naquela manhã quando li que Chris Cornell estava morto.

“Love’s like suicide…”

Não sei como o Soundgarden entrou na minha vida, provavelmente com o clipe de “Black Hole Sun” ou de “Rusty Cage” na MTV, mas eu sei que a banda começou a fazer parte dela quando eu ganhei o CD da coletânea A-Sides. Pior, era um CD da infame Coleção Millenium que os jovens idolatram por algum motivo. Eu odiava esses discos porquê eles ficavam horríveis na estante e não tinham o encarte original. Nunca teria comprado, mas ganhei o CD de presente de um conhecido que eu nem tinha muita afinidade, que não gostava de rock e que deve ter pegado o CD por acaso numa prateleira nas Lojas Americanas.

É estranho como o Universo parece conspirar à nosso favor.

“Safe outside my gilded cage with an ounce of pain, I wield a ton of rage…”

Logo de cara eu fiquei obcecado. Eu sei, isso é opinião de fã. Foda-se. O Soundgarden é uma banda foda. Assim, grifado e tudo: Foda pra caralho. Uma das melhores bandas de rock dos Anos 90 e, quiçá, de todos os tempos. Se você não conhece ainda ou nunca deu muita atenção pra banda além de “Black Hole Sun”, agracie seus ouvidos agora mesmo com o álbum Superunknown. Na época eu estava aprendendo a tocar baixo e as linhas de Ben Shepherd foram, e ainda são, uma das minhas principais influências. Todos os membros são músicos e compositores incríveis.

Mas o que mais me chamava atenção no conjunto todo era a voz de Chris.

“Love’s like suicide…”

Como eu fui adolescente na segunda metade da década de 1990, eu cheguei atrasado pra festa e a maioria das bandas que eu comecei a gostar nessa época já tinha terminado ou eu estavam prestes a terminar, mas não fiquei órfão. Ainda tinha um disco solo, Euphoria Morning, e logo viriam os três discos do Audioslave e até uma música tema de um filme do James Bond, “You Know My Name”.

É muito legal ver um de seus cantores favoritos virar trilha de abertura de um filme do 007.

Para nossa sorte, o Soundgarden reformou e lançou o excelente King Animal em 2012. Em 2014 a banda veio ao Brasil para o Lollapalooza e eu estava lá. Meus amigos preferiram ir ver o Arcade Fire, mas eu tinha ido especificamente pra ver a minha banda favorita e fui sozinho mesmo. Não é todo dia que você vê a sua banda favorita vir ao Brasil pela primeira vez.

Claro que eu me procurei no vídeo algumas vezes, mas não me achei. Ainda.

O show terminou com uma chuva de microfonia das guitarras colocadas na frente dos amplificadores e a promessa de Chris que eles não demorariam tanto tempo pra voltar quanto demoraram pra vir pela primeira vez.

Uma promessa não cumprida.

“With eyes of blood and bitter blue, how I feel for you, I feel for you…”

Ao longo do dia, os relatos foram tomando forma e começamos a entender o que poderia ter acontecido, mas na minha cabeça não fazia sentido. Pouco menos de dois anos antes, Scott Weiland, outro dos meus vocalistas favoritos, havia morrido por overdose de cocaína. Confesso que não fiquei surpreso. Weiland era um sujeito problemático que havia sido expulso de todas as bandas das quais participou (duas vezes no caso dos Stone Temple Pilots), e tinha um longo histórico com drogas, depressão, problemas financeiros e o pacote todo. Na época ele estava em turnê com uma banda nova e rolavam relatos de performances erráticas em shows. Era um fim que parecia premeditado.

Mas esse não era o caso com Chris. Apesar do histórico de depressão e abuso de substâncias, ele estava limpo há bastante tempo, tinha até parado de fumar antes da gravação do último álbum do Audioslave. Ele havia dito em uma entrevista que a maior diferença entre a nova turnê e as nos anos 90 é que não se via mais bebida pelo camarim. Antes era normal ver garrafas de Jack Daniels e cervejas, mas no retorno, não havia nenhuma e ninguém questionou. Não era um fim esperado de alguém que estava num longo processo de autodestruição, pelo contrário, foi chocante e abriu os olhos de muitas pessoas a respeito de alguns aspectos da depressão.

Ela continua lá, mesmo que tudo pareça bem.

A morte é algo que ainda é distante e abstrata pra mim. Nenhum amigo próximo faleceu e fui a pouquíssimos enterros na minha vida, na sua imensa maioria foi de pessoas idosas, pais e avós de amigos e conhecidos. Não deixa de ser triste, mas é o caminho esperado das coisas. Mesmo meu avô, ao qual eu era bem próximo, faleceu em outra cidade e eu não o via pessoalmente há meses. O sentimento de perda ainda era distante. Foi diferente quando li que Chris havia falecido. Parecia próximo demais, como se fosse um amigo ou um irmão.

É engraçado sentir isso sobre pessoas que nunca conhecemos e quem nem sabem que a gente existe.

Eu o vi há alguns metros de distância, num palco, cantando e falando com uma multidão onde eu era só mais um. Nunca conversei com ele, nunca troquei uma mensagem. Não pude dizer o quanto eu o admirava e quanto as suas músicas me influenciaram. O quanto as suas letras pareciam falar comigo. Quantas músicas dele eu aprendi a tocar e quanto tempo eu passei ouvindo elas. Poderia ter dito que eu usava cavanhaque e camisas de flanela e rasguei minhas calças pretas para ficar parecido com ele.

Nunca disse nenhuma dessas coisas e nunca mais terei oportunidade de dizer.

Fiquei com todas essas coisas embargadas na garganta, coisas que eu nem sabia que queria dizer e só percebi que queria dizê-las quando elas não seriam mais ditas. Restam apenas as palavras em um texto que ele nunca irá ler e que eu demorei três anos pra conseguir escrever.

Obrigado, Chris. Obrigado por tudo e adeus. Descanse em paz.

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Alexandre Aimbiré
Alexandre Aimbiré

Written by Alexandre Aimbiré

Literature Student. Weekend Sociologist. Father. Husband. I write in English and Portuguese about whatever I feel like, but mostly about Music and Literature.

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