Pela Última Vez
Um conto
Sentado na guia com os óculos repousados sobre a cabeça, Seu Andreazza, o proprietário da mais antiga barbearia em funcionamento da Zona Norte de São Paulo, fumava solitariamente um cigarro e olhava o movimento dos carros na avenida. Seu estabelecimento, antes cheio de vida, está vazio, com as portas fechadas pela metade e as luzes apagadas. Ele aprendeu o ofício com o pai, que tinha um salão na Armênia quando a região ainda tinha resquícios da colonização italiana e era conhecida como Ponte Piccola. O pai se foi não muito tempo depois que a ponte que dava nome ao bairro deu lugar à estação do Metrô, e ele se mudou para Santana, mais ao norte da cidade. Decidiu viver uma vida mais tranquila e abriu um novo salão no piso térreo de sua nova casa. No início era só ele, mas logo o filho e o sobrinho ficaram mais velhos e o acompanharam na profissão. De aprendizes sob a tutela de um professor rígido, porém justo, eles também se tornaram barbeiros e cada um deles ganhou sua cadeira na barbearia. Todos moravam na mesma rua e aos domingos, o único dia de folga dos três, eles se juntavam na casa do patriarca para um almoço com toda a família.
Os anos se passaram e o bairro foi mudando. Aos poucos as casas foram dando lugar aos prédios e a antes pacata rua tornou-se uma avenida. Agora havia um ponto de ônibus em frente à barbearia. A clientela foi mudando e os filhos dos clientes originais começaram a trazer os seus filhos para cortar o cabelo no salão. Entre os clientes estavam os proprietários e funcionários das mesmas lojas que a família Andreazza frequentava. Ele resistiu bravamente à onda de gourmetização, de barbearias hipsters com caveiras na fachada e que mais pareciam um bar de rock ou um estúdio de tatuagem. Não oferecia cerveja ou café para os clientes, apenas um serviço rápido e eficiente. Cabelo e barba a um preço justo. Não havia agenda. Os clientes chegavam e esperam a sua vez. Um a um os clientes entravam, botavam o nome na lista e sentavam-se nas poltronas e esperavam. Até um vereador que morava num dos prédios próximos esperava pacientemente sua vez de ser atendido.
O bairro seguiu mudando junto com a cidade. Os botecos viraram farmácias. O restaurante onde ele almoçava todos os dias virou uma academia de ginástica. A concorrência apertou e mais barbearias foram abrindo no bairro. Umas mais gourmetizadas que as outras. Poucos realmente cortavam os cabelos no concorrente com caveiras na fachada que abriu a poucos metros dali, mas muitos ficavam pela frente da loja bebendo cerveja e jogando conversa fora. Uma pequena multidão de rapazes tatuados conversava e ria enquanto ele varria os cabelos cortados que ficavam pelo chão.
Agora o salão do Seu Andreazza está vazio, sem clientes, nem ninguém. A cadeira do filho está desocupada e o sobrinho não aparece há semanas, apesar de ainda não ter limpado a bancada. O filho passou em um concurso público e se mudou para o interior. O sobrinho começou a trabalhar como motorista de aplicativo. Ele se casou e mudou-se para a Zona Sul. O eminente vereador virou deputado e não corta mais os cabelos com o ele, mas ainda o cumprimentava quando passava por ele na rua. O homem que cortava os cabelos de todos os homens do bairro e era quase uma figura folclórica agora era um ilustre desconhecido. Apenas mais um senhor de idade caminhando por um bairro que não era mais seu. Ele deu uma última tragada no cigarro e o apagou na sola do sapato antes de jogar a bituca na calçada. Levantou-se e olhou para dentro da barbearia vazia uma última vez antes de fechar as portas. Com um longo suspiro, fechou os olhos, baixou a porta de ferro e trancou o cadeado.
O bairro seguiu adiante sem ele.