Barbas Defumadas e Facas Imensas
Um agravo sobre carne, masculinidade frágil e acessórios inúteis.
Cozinhar é uma das minhas atividades favoritas na vida. Amo preparar comida e, mais ainda, servi-la para as pessoas que eu gosto. É claro, não tenho nenhum treinamento formal, não sou profissional e não tenho nenhuma pretensão em ser um. Sou apenas um curioso que gosta de comida. Comecei no final da adolescência, ajudando minha mãe a preparar o almoço. Eu sempre chegava em casa da faculdade antes dos meus irmãos e, um belo dia, ela me pediu ajuda. Foi a primeira vez que eu cheguei perto do fogão. No início eu seguia suas instruções, aos poucos, fui tomando a frente e logo comecei a arriscar meus primeiros pratos sozinho. Passados vinte anos, eu sou responsável por boa parte da ceia natalina da minha família, inclusive o peru, e todos os churrascos quando visito meus pais. Meu pai ficou mais que satisfeito em abandonar os espetos e se dedicar apenas a apreciar a refeição.
Passo boa parte do meu tempo livre vendo vídeos de receitas no YouTube e programas de culinária, aprendendo receitas novas e maneiras diferentes de fazer coisas o que já sei fazer. É um constante aprendizado. Nessa minha incansável busca, no meio da massa no Instagram e no YouTube, há uma tendência cada vez mais crescente de produtores de conteúdo que sentem que demonstram a sua masculinidade através da comida, ou melhor, da carne. Você nunca vê eles preparando uma salada, um risoto, uma massa, um pescado, muito menos qualquer prato que envolva muitos processos. É sempre carne, e quase sempre carne vermelha.
Aqui vai um conselho de graça para quem gosta de homem: Se um homem não sabe cozinhar, fuja. Corra para as colinas. Homem dessa estirpe deveria ser proibido de fazer sexo. Sim, estou falando sério. Se ele não sabe preparar uma refeição, por mais simples que ela possa ser, ele deveria deixar de existir. Não precisa ser nada digno da Rita Lobo, um arroz e peito de frango grelhado que seja. Saber cozinhar para si tem a ver com auto cuidado e amor próprio. Se ele não cozinha, ele provavelmente nunca lavou seu próprio banheiro, suas cuecas devem estar mais sujas que a de certos senadores e ele definitivamente está procurando uma mãe. Fuja.
Agora, se ele diz que sabe cozinhar, mas só sabe fazer churrasco, então ele provavelmente fode mal. Se orgulhar por saber assar carne é o equivalente culinário a usar sapatênis. É aquele cara que parece ajeitadinho, mas que na hora de ficar pelado acha que o pau dele é uma britadeira e que sexo é só penetração. Eu tô falando sério também. Carne é relativamente fácil de preparar e de deixar no ponto certo. Gabar-se por saber fazer carne, especialmente carne bovina, é como se vangloriar por saber amarrar os cadarços sozinho. Qualquer um consegue fritar um bife. A parte mais difícil do trabalho é do açougueiro. A sua é só não deixar a carne queimar.
“Ah, mas Alexandre, defumar carne demora horas e é um processo complexo e…”
Sim, é. Um processo longo e demorando no qual você não faz nada nem porra nenhuma por horas. Você não precisa nem olhar a carne de vez em quando se tiver um termômetro decente. Hoje em dia isso é ainda mais banal porque temos acesso à uma gama quase ilimitada de temperos prontos, dry rubs e outras bruxarias. Assim, a dificuldade é mínima. É só passar o tempero e colocar na sua smoker, dar uma besuntada de vez em quando com um molho que você também não preparou e esperar pacientemente até ficar pronto.
Carnistas, por favor, não me levem à mal. Eu tô do lado de vocês. Eu adoro carne, adoro preparar carne, de todos os tipos, e uma das coisas que eu mais sinto falta de morar no Sul é poder fazer churrasco numa churrasqueira de verdade. A minha crítica aqui é em relação aos influenciadores que só preparam carne vermelha e apenas os cortes, digamos, fáceis. É sempre uma picanha, um prime rib ou um ribeye, cortes mais fáceis de acertar o ponto e bater uma foto bonita ou fazer um vídeo. Claro, não estou julgando a escolha de corte, o maior problema aqui é a homogeneização. São infinitos posts dos mesmos cortes no mesmo ponto. Há um sem número de cortes diferentes de animais diferentes pra se fazer. Não precisa postar o mesmo vídeo de corte transversal de carne bovina toda santa vez ou apertando ela com o dedo pra mostrar o quão suculenta ela está.
A homogeneização não se restringe apenas aos cortes e à escolha de comida. Todos os caras parecem iguais. São todos caras brancos barbudos tatuados com camisetas pretas com frases engraçadinhas em inglês. Uma linha infinita de cozinheiros amadores que poderiam ser um certo chef careca apresentador de programa de televisão. Esse cara é o suprassumo do macho cozinheiro pagando de malvadão, tratando todo mundo aos berros, de cara fechada, risada sarcástica e abrindo repolhos com as mãos nuas.
Sim, eu estou ciente que isto é irônico vindo de um cara branco barbudo tatuado que geralmente usa roupa preta e que neste exato momento está usando uma camiseta com uma frase engraçadinha em inglês.
Há uma necessidade imensa em se mostrar um certo de tipo de masculinidade de barbearia gourmet nos vídeos de carne, principalmente no Instagram. Nada muito longe dos já conhecidos chatos da cerveja artesanal. A estética tenta reforçar ao máximo um homem rústico, como se ele tivesse caçado um búfalo selvagem nas pradarias africanas e estivesse o cozendo no fogo que ele mesmo fez esfregando dois gravetos tal qual um australopiteco. Nada poderia ser mais longe da realidade. Ele provavelmente ainda mora com a mãe, pede o lanche no McDonald’s sem cebola e nunca fala nada nos vídeos pra não mostrar que debaixo da espessa barba e dos óculos escuros há uma voz fininha e desafinada com sotaque moquense que não combina com o personagem.
Isso sem falar nos acessórios. Ah, os acessórios. Não sei se eles estão tentando compensar alguma coisa, mas os acessórios são sempre imensos. As facas são sempre enormes, feitas de aço damasco com um fio que consegue cortar um cabelo solto no ar. Chega a ser um pouco patético ver esses caras cortando um bife menor que um punho fechado com uma faca do tamanho de um braço. Não se trata mais de cortar a carne com uma santoku ou uma faca de cozinha padrão, prevejo num futuro próximo homens de aviador fatiando bifes com uma claymore ou um machado de batalha. Além dos obrigatórios óculos escuros, os acessórios incluem as luvas pretas de borracha, aventais de couro, óculos escuros e bear claws, ou a garrinha.
A garrinha, meu Deus, a maldita garrinha.
Estas soqueiras bizarras emulam garras de urso e servem para desfiar carne, geralmente suína. Eu não consigo imaginar nada menos prático do que rasgar carne a socos. Elas servem para várias outras coisas, mas nada que um par de garfos de tamanho adequado não faça melhor. Pra mim elas são o que há de mais trágico na construção desse personagem churrasqueiro. Elas fedem a masculinidade frágil. São objetos nada práticos e, convenhamos, inúteis que só servem para demonstrar um masculino doente que vê na agressividade como o único canal de expressão, mesmo que esta expressão seja tão banal quanto preparar um sanduíche de pernil.
É possível fazer bacon artesanal sem parecer um otário, ou assar um boi inteiro sem parecer um primata de óculos escuros. Seu pênis não vai se desprender do seu corpo se você fizer um béchamel e usar ele num creme de espinafre. Não precisa ter carne em todas as refeições e ninguém vai mudar de sexo ou sexualidade porque fatiou uma berinjela. Existe muito conteúdo legal na Internet que vai te ensinar coisas mais legais que como parecer mau e fazer um corte transversal num pedaço de carne que provavelmente está frio no meio. Mas, acima de tudo, é possível — e talvez até necessário — sorrir enquanto se faz comida. É uma atividade extremamente prazerosa, não tem porque ficar com a cara fechada o tempo todo. Você não é o Salt Bae, e até ele sorri às vezes.