Café Gourmet

Um diálogo.

Alexandre Aimbiré
3 min readOct 31, 2020
Foto por Milo Miloezger no Unsplash.

Pego meu expresso e dispenso o açúcar e o adoçante que a garçonete trouxe até a mesa. Olho o celular enquanto assopro o café e vejo um anúncio de um serviço de entrega de cafés especiais. Sorrio com o canto da boca e com uma pitada de desprezo.

“Eu fico imaginando o que o vô diria sobre essa moda de cafés gourmet.”

Meu pai olhou pra mim enquanto mexia o seu cappuccino com uma colher, como se estivesse esperando eu continuar.

“As pessoas hoje em dia recebem cafés especiais em casa. Eles vem em kits. Cafés cultivados regiões muito específicas, tipo o quintal de alguém no Sul de Minas, com torras muito específicas e com grãos selecionados por freiras cegas do Afeganistão. E pagam bem caro por isso! Depois passam ele num troço que parece um béquer de laboratório com um colarinho. Uma frescurada enorme.”

“Hm.”

Dou um gole do café e suspiro.

“Enfim, acho que o vô ia achar isso tudo a maior frescura também”

Ele repousa a colher no pires e leva a xícara à boca enquanto eu permaneço em silêncio, esperando ele falar alguma coisa.

“Sabe, a gente sempre tomou café gourmet em casa.”

Eu olho para meu pai com cara de ponto de interrogação.

“Seu avô chegava em casa com as sacas e espalhava o café na mesa da cozinha. Depois a gente separava os grãos um a um. Era igual escolher feijão, mas um pouco mais difícil. Tirar cada pedrinha, cada sujeira, cada grão que não estivesse perfeito. Depois ele pegava o que as tuas tias e eu tínhamos separado e botava pra torrar numa daquelas máquinas de torrar café. Era um trambolho. Você foi uma vez buscar uma com ele, não foi?”

“Sim, em Itapira. Depois a gente foi atrás de algum lugar pra tomar café e não tinha um boteco aberto na cidade. Fomos dirigindo até Jacutinga, e nada. Aí tomamos uma Coca-Cola e voltamos pra casa. Não lembro se foi em 98 ou 99.”

“Você lembra então como era. O café ficava horas naquela máquina, girando até chegar no ponto certo.”

“Ele sempre reclamava que café brasileiro tinha gosto de queimado.”

“Sim. Dizia que brasileiro não sabe a diferença entre café forte e café queimado. Depois ele moía. À mão. Numa geringonça com uma manivela, sabe? Nunca ficava fino demais ou grosso demais. Era certinho.”

Ele deu mais um gole do cappuccino.

“E ele não adoçava porque café já é doce.”

“Eu lembro que ele não gostava de prensa francesa.”

“Não, nem daquelas cafeteiras italianas. Era água no filtro e direto pro bule. Nada de guardar na térmica também.”

Dou um último gole na minha xícara e repouso ela sobre o pires. Meu pai termina a bebida dele em silêncio. Olhamos para o nada por alguns momentos, como se não houvesse nada mais a falar, até eu decidir quebrar o silêncio.

“O café dele era o melhor do mundo, né?”

“Era.”

Olhamos para as nossas xícaras vazias sobre a mesa enquanto a garçonete a esvaziava.

“Eu tenho muita saudade dele.”

“Eu também, Alexandre. Eu também.”

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Alexandre Aimbiré

Sociólogo de boteco, estudante de Letras, guitarrista ocasional, pai, marido e leitor ávido de caixas de sucrilhos. Leio e escrevo sobre o que me dá na telha.