Crítica: Moonage Daydream
É impossível assistir a “Moonage Daydream” e não se sentir mexido de alguma maneira.
Composto por imagens de arquivo, depoimentos, entrevistas e trechos de shows, “ Moonage Daydream “ não é um documentário tradicional.
Aqueles que já assistiram a “Montage of Heck”, sobre Kurt Cobain, talvez estejam mais preparados para a mistura frenética e os cortes psicodélicos do diretor Brett Morgen.
O objetivo aqui não é contar uma história no sentido tradicional, seguindo uma abordagem historiográfica, e sim nos dar um vislumbre da mente do “generalista” David Bowie, como ele mesmo se definia. Mas ao contrário do lento e tristonho “Montage of Heck”, o diretor nos leva através de uma experiência sinestésica da vida e carreira do músico inglês.
O tempo é fluido neste documentário. Ele inicia com uma uma montagem que remete aos clássicos da ficção científica e então somos jogados diretamente em um show em 1972. Diferentes épocas se misturam e elas se enlaçam com vislumbres de obras de Bowie como artista plástico e visual, mas o foco principal permanece: sua música e as muitas personas que deram vida à ela.
O filme ignora alguns aspectos da vida de Bowie, como seu uso extensivo de drogas nos anos 1970, que levaram sua mudança para Berlim em 1977, e seu relacionamento com sua primeira esposa, Angela.
Da vida pessoal do artista vemos apenas comentários sobre sua mãe, seu irmão e seu casamento com a modelo Iman, com quem ele foi casado até sua morte em 2016.
Há diversas menções sobre sua bissexualidade, mas nada sobre ele ter se arrependido de ter se declarado bissexual. A miríade de celebridades e músicos com quem Bowie se relacionou também está ausente, com exceção da cantora Tina Turner, com quem ele dividiu um comercial da Pepsi. Porém, este documentário não é sobre essas pessoas, é sobre David Bowie.
Chamado por alguns de “Camaleão”, Bowie era um sujeito inquieto e, principalmente, inquieto consigo mesmo. Usando seu próprio corpo como tela, ele nos mostrava diferentes facetas de si mesmo, ou quem ele era ou estava buscando ser naquele momento, seja este o messias roqueiro marciano Ziggy Stardust, o quasi-fascista Thin White Duke, ou ele mesmo em sua face mais capricorniana nos Anos 1980.
O filme nos mostra todas essas faces, mas também mostra quem era Bowie atrás da maquiagem, em seus momentos privados, criando arte ou fazendo coisas absolutamente mundanas, como caminhar pela rua.
É impossível assistir a “Moonage Daydream” e não se sentir mexido de alguma maneira. Desde o visual que mistura cenas reais, montagens psicodélicas e toda sorte de referências visuais que ajudaram a compor o repertório de Bowie, filmes clássicos como “Metrópolis” e “2001: Uma Odisséia no Espaço”, desenhos animados em preto-e-branco e alguns menos conhecidos, como “Johnny Mnemonic”, de 1995, com Keanu Reeves, até a música de Bowie.
Quase cinquenta anos depois, suas composições continuam incríveis e não deixam de ser impressionantes. Até os iniciados podem ficar arrepiados com as novas mixagens feitas especialmente para o filme. Mas o mais impressionante é o próprio Bowie, não quando ele está representando alguém no palco ou na tela do cinema, mas quando ele é apenas ele mesmo, sorrindo timidamente ao responder perguntas em entrevistas, exalando carisma e sagacidade.
“Moonage Daydream” não é apenas para os fãs de Bowie ou para os apreciadores de Rock. É para todos aqueles que desejam conhecer um pouco mais sobre um dos maiores ícones culturais do século XX. Quem assistir e ainda não for fã dele certamente se tornará até o final do filme.
Publicado originalmente em https://falauniversidades.com.br no dia 25 de setembro de 2022.