Infinito

Um conto

Alexandre Aimbiré
3 min readSep 8, 2020

O mundo é diferente quando é visto da janela de um carro em movimento. Sentada no banco do passageiro, ela abaixou os vidros e deixou o vento tomar conta do interior do veículo. Uma golfada de ar entrou e o barulho do vento se misturou com a música da playlist cuidadosamente escolhida para a viagem. Os dois decidiram viajar juntos pela primeira vez no dia anterior. Eles mal se conheciam. Ele a viu na faculdade e no dia seguinte a chamou pra tomar um café. Ela aceitou. O café virou uma cerveja. Uma semana depois ele estava com o carro estacionado na frente do prédio onde ela morava, ajudando-a acomodar a mala no bagageiro do carro.

A estrada se estendia em direção ao infinito. Ele olhava fixamente para o asfalto, concentrado, embora não houvesse mais nenhum carro à vista. Ela olhava pra ele através dos óculos escuros enquanto esboçava um sorriso tímido. O cabelo dela voava e cobria seu rosto num emaranhado loiro que escondia a pele branca e a boca vermelha. Ao redor deles havia a imensidão e o desconhecido. Mas, talvez pela primeira vez em sua vida, isso não a assustava. Não haviam feito grandes planos ou itinerários. Eles combinaram um destino final, mas este nem importava mais. Ambos estavam tão absortos naquele momento que aonde eles iriam chegar era apenas uma desculpa para estarem juntos.

Ela olhou para o seu reflexo no espelho retrovisor e viu seu sorriso. Ela ficou surpresa. Fazia tempo que ela não se via sorrir, mas logo se entregou e o meio sorriso virou um sorriso completo, com dentes e tudo. Fazia tempo que ela não se sentia leve. Tudo era novo e fresco. Ele notou o sorriso dela e, sem tirar os olhos da estrada, sorriu de volta. Ela virou-se para ele e passou os dedos pelos cabelos dele no primeiro gesto de carinho espontâneo que ele recebia há muito tempo.

As horas se passaram na estrada que parecia não levar a lugar nenhum, mas não havia inquietação no carro. Eles riam enquanto cantarolavam as músicas sem saber as letras. Conversavam, trocavam experiências, falavam sobre quem eram, quem tinham sido e quem eles queriam ser.

Depois de muito tempo contemplando o vazio, eles começaram a ver movimento. Os primeiros carros começaram a aparecer. Pequenas construções começaram a surgir e, aos poucos, estas começaram a dar lugar a edifícios. De dentro do carro, com os vidros fechados, ela olhava para os pedestres como se fossem peixes dentro de um aquário. O carro adentrou a cidade e eles finalmente chegaram ao seu destino. A estrada que ia até o horizonte acabou e deu lugar ao infinito do oceano. Ele estacionou o carro e, finalmente, olhou para ela. Por um instante ela ficou sem reação, mas ao ver o sorriso dele, puxou-o para perto e o beijou. Ele abriram as portas e desceram do carro. Olharam para a imensidão azul que se colocava na frente deles.

Ela tirou os óculos escuros e olhou para ele. As possibilidades eram infinitas, e pela primeira vez isso não a assustava. Ele pôs as mãos na cabeça, andou até ela é a segurou em seus braços. O barulho das ondas quebrando na praia engoliu qualquer ansiedade e o cheiro de sal se misturava com o cheiro deles naquele abraço. O carro não se movia mais. Eles tiraram os sapatos e de mãos dadas foram sentir a areia da praia sob seus pés pela primeira vez.

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Alexandre Aimbiré
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Written by Alexandre Aimbiré

Literature Student. Weekend Sociologist. Father. Husband. I write in English and Portuguese about whatever I feel like, but mostly about Music and Literature.

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