Sem cigarros: Como Tony Hawk moldou meu gosto musical

Alexandre Aimbiré
10 min readMay 6, 2020

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Há pouco mais se uma semana escrevi um texto sobre quatro álbuns que marcaram minha trajetória musical e me influenciaram durante minha graduação em Ciências Sociais na longínqua primeira década deste novo milênio. Eram apenas quatro e há muitos outros sobre os quais ainda quero escrever, talvez até englobando outros períodos da minha vida, mas resolvi fazer um leve desvio neste texto aqui. Seria injusto escrever um texto sobre álbuns que moldaram meu gosto musical e a minha personalidade sem mencionar outras coisas que também se fizeram presentes no meu cotidiano musical, como os videogames.

O primeiro jogo eletrônico que eu lembro de jogar foi o Q*bert no IBM XT/286 do meu pai e desde então o videogame faz parte da minha vida, seja no computador ou no console. No início as trilhas eram compostas especificamente para os jogos, como nos filmes, mas aí veio uma série específica e tudo mudou, pelo menos pra mim.

Vamos começar do início, com “Song 2”.

WOO HOO

FIFA Soccer

Sim, fãs de PES, eu sou fifeiro. Não me encham o saco.

Em 1998 a EA lançou o FIFA 98 com o título extenso demais de Road to World Cup 98. O clipe com as paredes de tapete e o Damon Albarn voando em todas as direções já tocava em razoável rotação na MTV, mas o que chutou a porta do rock para muitos dos meus amigos boleiros foi o “woohoo” que aparecia extensivamente no jogo. Logo depois a EA lançou o jogo específico da Copa, o World Cup 98 em que a música “Tubthumping” da banda irlandesa Chumbawamba era a trilha da abertura com o mascote Footix voando entre tomadas de jogadas e a Torre Eiffel ao som da música.

Um galo voador e todos os motivos pelos quais devemos deixar a estética noventista morrer.

Não sei dizer quanto tempo da minha vida meu irmão e eu perdemos da nossa adolescência dividindo um teclado jogando esse jogo no PC, mas logo acabei abandonando a série que eu jogava desde o primeiro Fifa International Soccer e só voltei a jogar quando lançaram o FIFA 2004. Além do jogo ter evoluído horrores no que diz respeito a jogabilidade e gráficos nesses anos em que eu não acompanhei a série, a trilha sonora começou a ganhar um destaque maior. Não era mais uma música ou outra usada figurativamente na abertura e nos menus, agora tínhamos uma playlist curada especificamente para o jogo de dar inveja a qualquer protoindie.

A trilha de FIFA 2004 é um espetáculo com Kings of Leon novinhos cabeludos e barbudos, Radiohead, Dandy Warhols, The Raveonettes e Goldfrapp, além de Zeca Pagodinho e Os Tribalistas, mantendo um perfil realmente internacional para um jogo transnacional. Nos jogos seguintes a seleção de artistas não-anglosaxônicos expandiu cada vez mais. Em FIFA 2005, foram incluídos os franceses do Air, o DJ holandês Ferry Corsten, o alemão Nachlader e os venezuelanos Los Amigos Invisibles, além de New Order, Morrissey e Ivete Sangallo (!). No ano seguinte Bloc Party, Damien Marley e a sensacional “Feels Just Like It Should” do Jamiroquai. A última versão que eu lembro de ter jogado com algum afinco foi a de 2007, com Seu Jorge e “Supermassive Black Hole” do Muse entre os destaques.

As trilhas sempre combinavam um pouco do clássico com o que era novidade e dando um tempero latino no som. Jogando FIFA eu pude expandir muito meu universo musical, tanto conhecendo artistas novos, como Goldfrapp, LCD Soundsystem e Air, que eu ouvi pela primeira no jogo, e relembrando artistas que eu já conhecia e que podia explorar mais, como os mexicanos Café Tacvba. Ainda há os artistas que ninguém nunca mais ouviu falar e que podem ser considerados bugs na Matrix, como uma tal de Sneak Attack Tigers, que figurou no FIFA 2005 com a música “The End of All Good” que é exatamente o tipo de som que eu tocava nessa época e não tem muito registro na internet além dessa música que só está disponível em qualidade razoável no YouTube.

Need for Speed

Nove entre dez pessoas vão ouvir o Lil’ Jon cantanto SKEET SKEET SKEET SKEET e pensar num Nissan Skyline laranja atravessando um túnel infinito ao som da versão clean de Get Low.

É estranhamente constrangedor ouvir “‘Till the sweat drops and it falls”.

Depois de você apreciar a glória nostálgica de ver novamente a abertura e o menu, faça um favor a si mesmo e ouça a versão tradicional da música com todos os “bitches”, “asses” e “balls” que você merece.

A série Need for Speed passou por uma mudança radical no início dos anos 2000 com este jogo. Antes eram os supercarros, McLarens e Lambourghinis, agora entravam Hondas e Toyotas customizáveis e toda a estética dos primeiros Velozes e Furiosos, especialmente o péssimo 2 Fast 2 Furious.

Roman flips a birdie in 2 Fast 2 Furious
Puta que o pariu, que filme ruim.

O primeiro Need for Speed Underground e sua sequência direta foram dois daqueles jogos que foram lançados na época certa e da maneira certa. Os jogos eram divertidos, os gráficos era espetaculares para a época e a possibilidade de customização do seu carro era praticamente infinita.

Voltando ao que interessa, a música. Diferente da série FIFA, onde a música aparecia só nos menus e o jogo emulava uma transmissão na televisão, com narração e tudo, em Need for Speed Underground a música era parte integrante do cenário. Nos menus tinha um bloco de rap. Além da já citada “Get Low” que eu sei que você está cantando na sua cabeça até agora, o bloco de rap ainda tinha T.I. e o finado Nate Dogg. O resto do jogo alternava rock com artistas como Rob Zombie e Rancid e desconhecidos como Blindside e Static-X, e eletrônico com Junkie XL, Crystal Method e outros.

A sequência além de expandir o jogo com um conceito de open world e novas modalidades de jogo, também expandiu a trilha. Mantendo o mesmo conceito, tínhamos Xzibit (“yo dawg”) e Chingy na parte de rap. Crystal Method e “Nothing But You” do alemão Paul Van Dyk remixado pela dupla Cirrus, que também aparece com uma música própria entre as músicas eletrônicas. No rock, destaque para os veteranos do The Killing Joke com “The Death and Ressurection Show”, que abre o álbum autointitulado deles recém lançado na época. Entre as curiosidades estão presença de Queens of the Stone Age com “In My Head”, que figurou no demo do jogo antes mesmo do lançamento do álbum Lulabies to Paralyze, e uma versão de “Riders on the Storm”, clássico do The Doors, pelo Snoop Dogg.

Os jogos seguintes apesar de também serem bons não conseguiram atingir o patamar dos dois primeiros, mas as trilhas continuavam excelentes. Most Wanted entre todos tinha a mais trilha fraca de todas (apesar de ser um dos meus jogos favoritos), mas que ainda tinha The Prodigy e Mastodon, além de um remix soturno de “Feels Just Like It Should” do Jamiroquai. Na sequência Carbon veio restabelecendo o padrão com Kyuss, Eagles of Death Metal, Ladytron e Wolfmother, introduzindo “The Joker and the Theif” muito antes que a música ficasse popular por aparecer em um certo filme inominável com o Bradley Cooper. Em Carbon também teve o retorno de uma trilha composta especificamente para os menus e algumas corridas com os chefões. São dois álbuns que estão disponíveis no Spotify.

Parei de acompanhar a série após o Pro Street, que mudou novamente a dinâmica da série e voltei a jogar apenas em meados de 2010 com o novo Hot Pursuit. Anos depois e pude aproveitar um jogo de corrida com Black Rebel Motorcycle Club, Weezer e Klaxons na trilha sonora, mas ainda sem o charme do primeiro Underground.

Tony Hawk’s Pro Skater

Vocês já sabiam que isso estava por vir, até porque o título deste texto já entrega.

Nos idos de 1999 e 2000 não era incomum me encontrar sentado na praça de alimentação do Beiramar Shopping com uma garrafa de Coca-Cola assistindo vídeos de skate na frente da Maha Skate Shop. Não tínhamos um canal Off na época e ser adolescente numa cidade provinciana como Florianópolis limita muito as opções de entretenimento. Entre vasculhar CDs na Hot Music ou torcer pra encontrar alguma coisa legal em promoção nas Americanas, não havia muito a se fazer. Aí saiu a segunda versão de um jogo de skate assinado pelo mítico Tony Hawk.

TURN THAT SH** UP

Este é um dos jogos mais legais que eu já joguei na minha vida. Não tinha jogado o primeiro e comprei ele por cerca de R$60,00 nas Americanas, uma pequena fortuna na época (pra mim, pelo menos). Era como uma versão extrema dos X-Games que eu assistia na ESPN que eu podia participar sem quebrar todos os ossos do corpo. Eu andava de skate na época, mas seu tentasse fazer o que eu fazia com o Rodney Mullen no jogo, eu certamente não teria mais dentes.

Assim como a trilha de Need For Speed Underground, esta aqui também marcou época. Além da abertura com “Guerrilla Radio” do Rage Against the Machine, que na época surfava no auge de sua popularidade com o álbum The Battle of Los Angeles e videoclipes dirigidos por Michael Moore, a trilha combinava faixas excelentes de rap, rock, punk e hardcore. A trilha ainda tinha “No Cigar” do Millencolin, talvez tão clássica e associada ao jogo quanto a música de abertura, e Bad Religion, Fu Manchu, Lagwagon, Papa Roach e Anthrax.

As continuações não deixaram a dever. O 3 abria com “Ace of Spades”, clássico do Motörhead, e ainda tinha Ramones e a incrível “Pulse” da banda japonesa Mad Capsule Markets, uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos. O 4 tinha outro clássico na abertura, “TNT” do AC/DC, e contava com outros clássicos como “My Adidas” do Run DMC, “Anarchy in the UK” dos Sex Pistols, “The Number of the Beast” do Iron Maiden, e músicas de bandas como Goldfinger, The Cult e Flogging Molly.

Para ajudar a entender um pouco o legado musical que essa série deixou, em 2015, quase quinze anos depois do lançamento do jogo, eu toquei em uma festa que homenageava a série, com os DJs montando suas playlists inspiradas nas músicas da trilha com direito a uma roda punk na balada e tudo. Para os curiosos, a minha playlist está disponível no Spotify.

Não tem meu nome no cartaz, mas eu juro que toquei nela.

A série se perdeu nos lançamentos seguintes, com histórias artificiais e rasas com atuações canastronas, mas que não conseguiram apagar o legado e o carinho que eu e muitos outros ainda guardamos até hoje pela série, especialmente pelo 2. Aliás, quem precisa de história num jogo como esse?

Grand Theft Auto

Não dá pra falar sobre jogos com trilhas bacanas sem falar em GTA, mais especificamente o Vice City e o San Andreas. GTA mudou bastante desde o primeiro, com visão de cima e fugindo de viaturas de polícia explosivas. No III, se passando na fictícia Liberty City, o conceito passou para um open world e muitos polígonos, mas foi apenas com Vice City que o conceito realmente tomou forma.

Mas eu confesso que ainda sinto um pouco de falta disto.

Primeiro, a ambientação kitsch oitentista com claras referências à série Miami Vice e ao filme Scarface, mas a cereja do bolo era a trilha sonora. Não havia trilha clara no jogo, ela se apresentava na forma de rádios que você podia ouvir enquanto dirigia os carros entre missões. Cada rádio tinha um gênero e um estilo e a curadoria de músicas é excelente. A produção ficou a cargo de Lazlow Jones, que também dá voz ao locutor da rádio de rock a V-Rock, não por acaso uma das que eu mais ouvia. A rádio de rock ainda continha duas faixas da banda fictícia Love Fist, que aparecia no jogo em algumas missões. As músicas são o puro suco do hard rock farofa oitentista e são absolutamente excelentes. Na trilha oficial incluíram apenas “Dangerous Bastard”, mas a minha favorita das duas é “Fist Fury” que ainda tem uma subida de tom absolutamente desnecessária e genial no final.

A V-Rock ainda tinha no repertório clássicos de Iron Maiden, Mötley Crüe, Ozzy Osbourne, Slayer, Loverboy, Twisted Sister, The Cult e Autograph, além de outros. Todas as músicas são clássicas, mas juntas formam uma das melhores compilações de hard rock que eu já vi.

“Whatever. I quit school ’cause I’m hardcore.”

Mas todas as rádios merecem menção aqui. A Flash FM, dedicada ao pop com Hall & Oates, Michael Jackson, INXS e The Outfield com “Your Love”, que se chorar um pouco dava pra incluir na rádio de rock também. A Emotion 98.3, pilotada pelo latin lover Fernando Martínez, com suas baladas incluindo as imprescindíveis “Broken Wings” do Mr. Mister e “Africa” do Toto. Nenhuma coletânea oitentista estaria completa sem new-wave e pós-punk e isso estava na Wave 103, com faixas de Blondie, Frankie Goes to Hollywood, Gary Numan e Tears for Fears. Comandada pelo cover de Barry White, Oliver “Ladykiller” Biscuit, soul, disco e black music figuravam na Fever 105, com Rick James, Kool & The Gang e, novamente, Michael Jackson, e o hip-hop clássico era representado na Wildstyle Pirate Radio, com Run DMC, Whodini e Afrika Bambaataa. Dado o cenário, numa cidade inspirada em Miami, havia a inevitável rádio de música latina, a Radio Espantoso, mas que eu confesso que nunca prestei muita atenção, e duas rádios engraçadíssimas ao estilo talk radio, as precursoras dos podcasts modernos, com entrevistas

Dois anos depois veio San Andreas, mudando o cenário para uma versão ficcional da Califórnia no início dos Anos 90 e expandindo o jogo a patamares épicos. Vice City iniciou a revolução, mas San Andreas a consolidou. A trilha, ainda no formato de rádio, incluía rádios separadas para rap da Costa Leste e da Costa Oeste, uma rádio para rock clássico e uma pra rock alternativo, além de rádios de country music, funk e disco, house music e reggae. Os jogos seguintes, IV e V, mantiveram essa tendência. GTA V tem um total de 17 rádios de gêneros musicais diferentes além de uma talk radio.

Nós consumimos música de muitas maneiras diferentes além do tradicional álbum. Na maior parte das vezes em que ouvimos música não é sentando e ouvindo um disco de ponta a ponta, embora seja assim que Deus e o Pink Floyd desejassem que fosse sempre assim. Muitas vezes estamos ouvindo música de maneira avulsa, como no rádio, como nos filmes e séries, na casa de amigos servindo de trilha sonora para qualquer evento, na rua, tocando no som de uma loja ou no logotipo em uma camiseta.

Na minha história, muitas músicas e muitos artistas entraram na minha vida de maneiras estranhas e loucas e muitas vezes porque eu as ouvi enquanto jogava videogame.

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Alexandre Aimbiré
Alexandre Aimbiré

Written by Alexandre Aimbiré

Literature Student. Weekend Sociologist. Father. Husband. I write in English and Portuguese about whatever I feel like, but mostly about Music and Literature.

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