Shine a Light

A minha maior saudade nesses tempos esquisitos de isolamento social.

Alexandre Aimbiré
3 min readMay 17, 2021
Foto de Kane Reinholdtsen em Unsplash

Uma noite escura, luz neon e uma garoa fina no ar. É um cenário que poderia ser do filme Blade Runner. Um segurança usando um terno dois números acima que o dele guarda uma porta de uma rua mal iluminada no Bairro da Liberdade. Você passa pela revista e entra porta adentro. Seus olhos não sabem onde focar, há tanta informação pra se absorver e é natural ficar um pouco confuso. Globos de papel imitando lanternas japonesas no teto dividem o espaço com fitas reluzentes de todas as cores do arco-íris numa cacofonia visual que se mistura com a meia luz e uma ocasional decoração neon. Nos sofás azuis com uma capinha tosca de poliéster vermelho, apertam-se toda a sorte de pessoas. Grupos de amigos tomando mojitos de qualidade questionável, o pessoal do happy hour corporativo com suas long necks, casais olhando pastas pretas com um sem número de músicas listadas, e o ocasional solitário esperando pacientemente sua vez.

No fundo está a atração principal da casa. Não, eu não estou falando das mesas de sinuca ou da cozinha, de onde saem pizzas, espetinhos, porções de batata frita embebidas em óleo e sushis. Ninguém vem aqui pela comida, muito menos pelo mojito que parece ser feito com álcool de posto. A bebida é cara e a comida não é lá aquelas coisas, mas o salão está cheio e todos parecem estar se divertindo.

Exceto aquele rapaz cabeludo sentado sozinho, mas deixa ele pra lá.

Há um rapaz num pódio ao lado do palco com uma lista de nomes e números. Ele também não é a atração principal, mas ele é o guardião dela. Sentado no sofá, todos aguardam ansiosamente ouvir ele chamar o nome de alguém da sua mesa. Você pode não ter colocado o seu nome na lista, mas seu amigo pôs e ainda pediu uma música dos Backstreet Boys. Ou ele mesmo colocou a música no próprio nome e te chama pra subir junto. Você vai. E porquê não iria? Você podia ter ficado no sofá e assistido seus amigos se esgoelarem, mas qual é a graça disso?

Por alguns poucos minutos, o cavalheiro que esperava pacientemente sozinho a sua vez é um cantor italiano disputando o Festival de San Remo, o rapaz esquisito de preto sai aplaudido depois de uma performance impecável de Chop Suey do System of a Down, a moça de óculos no primeiro date canta Torn da Natalie Imbruglia enquanto seu futuro namorado olha mesmerizado, apesar dela ter desafinado em alguns momentos. Você e seus amigos são todos o Freddie Mercury, ou as Spice Girls, ou o Iron Maiden, ao mesmo tempo. Gênero não importa aqui, de nenhum tipo, e, especialmente, não importa o gênero musical. Por alguns minutos você é quem você quiser ser, mesmo que essa pessoa seja um otário cantando Evidências pela septuagésima sétima vez naquela noite. O espaço é seu e o microfone é seu.

É tudo mágico.

Não importa que as letras venham acompanhadas de imagens sem sentido de rapazes japoneses tristes vagando pelas ruas de Osaka, paisagens paradisíacas acompanhadas de um logotipo de um leão cantor, ou mesmo que a fonte seja horrível, assim como o espelho enorme atrás de você. Nada importa além de você e de quem está no palco com você e a música que vocês estão cantando.

A música acaba, você é seus amigos devolvem os microfones para o rapaz com a interminável lista de nomes e números e chama a próxima pessoa. Não importa se a performance foi boa ou ruim, o que importa é que foi. Amanhã todos estarão roucos e talvez com uma ressaca daquelas graças ao mojito de gasolina, mas isso também não importa.

Por alguns minutos vocês foram.

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Alexandre Aimbiré

Sociólogo de boteco, estudante de Letras, guitarrista ocasional, pai, marido e leitor ávido de caixas de sucrilhos. Leio e escrevo sobre o que me dá na telha.