Tão perto, tão longe: Uma breve história musical da minha graduação
Eu tinha prometido pra mim mesmo que não ia mais participar de correntes em redes sociais, mas não resisti e resolvi fazer mais uma. Posso culpar o tédio da quarentena, mas a verdade é que eu não resisto a um exibicionismo musical barato. Era uma post simples, quatro capas de álbuns com um tema a ser definido por que estivesse repassando a corrente. Respondi ao post do Shu com um emoji, um cigarro, e recebi o tema. Eu realmente não esperava nada do tipo.
Eu esperava algo mais simples, como capas de álbuns cor de rosa, álbums com animais na capa ou qualquer coisa do gênero, mas tive que desenterrar a minha história musical. Será que o disco de estreia da Audioslave caberia aqui? Ou o In Rainbows do Radiohead? Meddle, The Wall, ou Atom Heart Mother do Pink Floyd? Quais foram os álbuns que me marcaram mais na minha trajetória na graduação?
O resultado pode ser visto aqui:
Assim que postei o tuíte, eu pensei: “Isto pode render um belo texto”, e lá fui eu rascunhar sobre cada um desdes álbuns e seu significado para mim no contexto da minha vida universitária. Cada um deles tem um contexto específico e uma história que, de alguma forma, se mescla com a minha.
Pipodélica — Simetria Radial
Entre idas e vindas, eu cursei Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa Catarina entre Maio de 2002 e meados do primeiro semestre de 2009. Cheguei a cursar Design na mesma instituição a partir de 2010, mas quando falo em graduação e universidade, eu penso nos anos em que frequentei o CFH. Enquanto estudante de Design eu passei boa parte do tempo trabalhando ou cuidando de outros assuntos que nada tem a ver com a universidade. Nos anos que eu cursei Ciências Sociais, minha vida estava entramada ao CFH, aos núcleos de pesquisa e às aulas, mesmo que eu sempre estivesse à beira de reprovar por FI na maior parte das matérias.
Esta história está, de certa forma, ligada à da banda Pipodélica.
As minhas aulas começaram no meio de maio. O ano letivo estava bagunçado por reposições de aula em função da greve de professores do ano anterior e o calendário estava uma zona. Eu era só um adolescente esquisito, procurando me encaixar no meio daquele mundo que era totalmente diferente de tudo que eu havia experimentado até o momento. Uma das muitas experiências novas foi o Projeto 12:30. O doze e trinta consistia em shows de bandas locais e independentes na Concha Acúsica ou no vão do CCE às 12h30 de toda quarta feira. O primeiro show que assisti foi justamente da Pipodélica. A banda era formada por quatro estudantes de Arquitetura da universidade, e eu tive o prazer de conhecer por amigos e conhecidos em comum na naite florianopolitana anos depois. Ouvi eles aquele dia e continuei acompanhando em shows diversos pela ilha, até quando eles tocaram com o Placebo num festival esquisito que a operadora Claro tentou emplacar.
Aquele primeiro show e as músicas que comporiam o primeiro disco da banda, Simetria Radial, abriram portas musicais na cabeça e nos ouvidos do jovem Alexandre (na época eu ainda não atendia por Vickers).
Comecei com eles, mas por causa deles comecei a sair mais e buscar as bandas locais. Perdi muitas quartas à noite na Quarta Rock Feira no Red Café, que ficava a literais duzentos metros da minha casa e lá ouvi Samambaia Sound Club, quando ainda se chamava apenas Samambaia. Alguns sábados perdidos no Underground, na Lagoa, e depois no Drakkar. Presenciei dois retornos na Ambervisions, comprei demos, vi shows com som péssimo em festas no campus, morri de calor no Galileu’s, me irritei com o proprietário do Tulipa…
Deixando claro para os manézinhos que me lêem: Eu fui apenas uma vez no Plataforma, eu acho que foi um show da Euthanasia e jurei pra mim mesmo que nunca voltaria naquela pocilga.
Foram anos de rolês e tantas bandas que eu conheci e ouvi porque essa banda entrou na minha vida despretensiosamente porque eu resolvi ficar no campus e assistir um show ao invés de ir pra casa.
A banda encerrou as atividades em 2008, no último semestre que eu cursei de fato nas Sociais. Deixaram EPs e álbuns excelentes, como o já mencionado álbum de estreia e o “póstmumo” Não esperem por nós, e um coração partido deste que vos escreve.
Radiohead — Hail to the Theif
Por influência de amigos e da minha namorada na época, eu acabei me envolvendo com a mais pesada das drogas que se pode encontrar na universidade: O movimento estudantil. Passei a dedicar uma quantidade razoável de esforço e tempo em causas que hoje me parecem absolutamente irrelevantes. Boa parte deste tempo foi organizando festas e trabalhando nelas. Era uma produção extremamente amadora, mas era uma produção. Contratávamos banda, equipamento de som, bebidas, organizávamos turnos no caixa e no bar e, no meio de tudo isso, ainda nos víamos às voltas com a segurança do campus, já que as festas não eram sancionadas pela reitoria.
Minha mãe tem péssimas lembranças dessa época e até hoje não me perdoa pelas semanas com o banheiro dos fundos da casa cheio de caixas de cerveja que sobraram de alguma festa.
Como boa parte das bandas da cena local eram compostas por alunos da própria universidade, as festas às vezes eram minifestivais. Três Antárticas por cinco e às vezes até cinco bandas de qualidade variável, desde bandas excelentes, como a Vomitorama, bandas razoáveis como a Lixo Orgânico e bandas muito ruins, como a The RU.
Eu definitivamente não quero falar sobre a The RU. Sim, é um trocadinho com The Who e a sigla de Restaurante Universitário e eles faziam covers péssimos de Rage Against the Machine. Prosseguindo…
Em algum momento próximo do final do primeiro semestre de 2006 e eu estava ajudando na produção de uma festa de um encontro de estudantes. Eu às vezes emprestava o carro da minha irmã e vivia com o banco traseiro abaixado e o bagageiro lotado até o teto de equipamento. Baterias, amplificadores, caixas e mais cabos que eu conseguiria contar. Nesta festa em particular, uma das bandas era a já citada Lixo Orgânico, que eu considerava bem razoável, e, como sempre, muita coisa deu errado. Entre reclamações de barulho, intervenções da segurança do campus e ameaça de chuva, a última banda furou e os outros estavam cansados ou bêbados e havia ainda muita cerveja a ser vendida.
O baterista da Lixo Orgânico olhou pra minha Stratocaster coreana vermelha que estava encostada numa cadeira e ligada num cubo Meteoro de 12'’ emprestado e veio até a mim e algumas pessoas da organização enquanto discutíamos o que fazer.
“Aquela guitarra é de alguma das bandas?”
“É minha, por quê?”
“Olha só, eu tô vendo que vocês tem um monte de cerveja pra vender ainda e não tem mais nenhuma banda pra tocar agora. Se você puder me emprestar ela, eu posso fazer um som. Aí a galera fica por aqui na festa mais um pouco e bebe mais, se diverte. O quê acham?”
Nos entreolhamos, demos de ombros e eu larguei um “Vá em frente. Quebre a perna!”. Que mal poderia fazer, não é mesmo? Se esse público estava acostumada com a The RU, eles poderiam aturar pior. Para a minha surpresa, só ele e a minha Strato vermelha ligada num amplificador no canal limpo foi a melhor performance da noite. Ele cantava bem, tocava bem demais e o clima intimista que se criou era perfeito pra encerrar a noite. Só lembro de uma das músicas de todo o repertório, “Go to Sleep”, do recém-lançado Hail to the Theif do Radiohead.
A verdade é que este álbum era tudo que o jovem militante Alexandre precisava pra ouvir. Eu não entendi o Kid A quando ele saiu, muito menos o Amnesiac. Obviamente eu estava errado e não estava pronto pra ouví-los e anos depois saiu o In Rainbows, que é meu álbum favorito do Radiohead, mas este foi o que me marcou. Foi o que me acompanhou por mais tempo, o que eu estudava ouvindo.
…And You Will Know Us By The Trail of Dead — Source Tags & Codes
A banda …And You Will Know Us By The Trail of Dead (que doravante chamaremos apenas de ToD) e seu nome gigantesco entrou na minha vida, provavelmente, depois de eu ter lido uma coluna do Álvaro Pereira Júnior no extinto caderno Folhateen da Folha de São Paulo. Eu já tinha o segundo álbum, Madonna, e quando saiu o Source Tags & Codes, eu o comprei assim que o vi a venda na extinta Hot Music no Beiramar Shopping.
Eu já tinha usado Napster, Kazaa e era órfão do Audiogalaxy, mas ainda tinha paixão por comprar CDs. Ficava encantado com os encartes, colocava eles pra tocar no player ou no discman e aproveitava cada segundo. Este foi um dos últimos que eu lembro de ter comprado. Vendi ele num sebo junto com o Madonna e todos meus outros CDs num surto de desapego antes de me mudar para São Paulo.
Falar deste álbum é falar também da minha historia amorosa. Falar da minha primeira namorada, que também estudava na UFSC e cursava Engenharia Química e também era fã da banda. A gente passava a maior parte do nosso tempo juntos ouvindo música e falando sobre os artistas que descobríamos e que gostávamos, como se o mundo se resumisse aquilo e mais nada. É falar do nosso término, da primeira vez que eu tive o coração partido e da primeira vez que eu parti um coração, mesmo sem querer. É também falar dos casinhos e das decepções, muitas vezes ao som de “How Near, How Far” e, principalmente “It Was There That I Saw You”. É falar dos CDs de mixes que eu fazia para os crushes, que sempre continham pelo menos uma música deste álbum. É falar das muitas vezes que voltei sozinho a pé pra casa depois de beber com os colegas no Cat’s no Pantanal e de chegar em casa de madrugada, tropeçando nas próprias pernas.
Minha história na universidade, além de musical, é sobre relacionamentos. A UFSC foi central na minha vida por mais de uma década e todos os meus amigos e relações que cultivo até hoje foram consequência direta ou indireta dos anos e das experiências que passei lá.
Queens of the Stone Age — Songs for the Deaf
Hail to the Theif e Source Tags & Codes eram os álbuns que eu ouvia em casa, mas o que eu ouvia no meu carro era o Songs for the Deaf do Queens of the Stone Age. Um amigo havia me emprestado o Rated R meses antes do lançamento deste e eu nem me dei ao trabalho de ouvir.
Maldita displicência da minha juventude que me impediu de ter muitas experiências antes.
Aí assisti ao clipe de “Go With The Flow” na MTV e lembrei do CD que estava há meses parado na minha estante esperando para ser ouvido e me senti um idiota por ter esperado tanto tempo para ouví-lo. Alguns dias depois baixei o Songs for the Deaf e, de alguma forma ele ressoou muito mais comigo que seu antecessor. Os interlúdios malucos, como se fosse uma transmissão de rádio, jogando o dial entre uma estação e outra, e as músicas.
Pode parecer que porque eu não tenho nenhuma história pra contar sobre este álbum que eu ele é menos pessoal ou marcante que os outros três, mas isto não é verdade. Source Tags & Codes é uma história de quem eu era, Simetria Radial e Hail to the Theif era o que eu vivia, porém, Songs for the Deaf era quem eu queria ser. Mais assertivo, mais forte, mais direto, com menos grandiloquência. Eu tocava baixo como o Roger Waters, muitas vezes imitando as linhas dele, mas queria tocar como o Nick Olivieri, sujo, despretencioso.
Pesado. Duro.
Não, eu só fui me tornar esta pessoa em 2008. Eu mudei de turma na graduação duas vezes,e segunda no segundo semestre de 2007 e comecei a estudar com as pessoas que hoje são meus amigos mais antigos e que ainda mantenho contato. Em 2008, também graças a um longo processo de terapia, eu consegui começar a me tornar quem eu queria ser e este álbum é um símbolo de quem eu queria ser naquela época.
Eu sei que estou sendo injusto com vários álbuns e artistas. Não incluí o sensacional álbum de estreia do Black Rebel Motorcycle Club, que embalou muitas noites sozinho em casa. Não incluí nenhum do Pink Floyd, mesmo tendo eu aprendido a tocar tantas músicas deles no baixo. Nenhum do Soundgarden. Não incluí o Nº4 dos Stone Temple Pilots, que alguém teve a pachorra de subtraí-lo da minha estante durante uma festa em 2007 e eu jurei descobrir quem foi o cão que o roubou e fazê-lo pagar pela infâmia. Nenhum dos Beatles, em especial o Abbey Road, ou mesmo a coletânea Crossroad do Bon Jovi.
Ah, sim. Em 2007 eu tive um surto e só ouvi Bon Jovi por meses. Foi um tempo meio esquisito.
A verdade é apesar de qualquer injustiça inerente à própria natureza das listas, estes quatro são os quatro com os quais eu tenho histórias mais pessoais. Os quais eu não consigo apagar da minha história. São discos e bandas que eu personalizei, que eu tornei meus através das minhas próprias experiências. Os quatro discos que fizeram o Alexandre, agora Vickers, sobreviver à faculdade.